O que penso sobre ofertas, parte final

Vamos continuar nossa exposição sobre ofertas a partir da coleta levantada por Paulo (leia a primeira parte aqui), episódio registrado em 2Co 8-9 e que é muito utilizado pelos telepastores para pregarem teologia da prosperidade, lei da semeadura e coisas do tipo. Recentemente Silas Malafaia desafiou os blogueiros a ouvirem sua pregação sobre prosperidade e procurarem […]



7 de junho de 2012 Bibotalk Reflexões

Vamos continuar nossa exposição sobre ofertas a partir da coleta levantada por Paulo (leia a primeira parte aqui), episódio registrado em 2Co 8-9 e que é muito utilizado pelos telepastores para pregarem teologia da prosperidade, lei da semeadura e coisas do tipo. Recentemente Silas Malafaia desafiou os blogueiros a ouvirem sua pregação sobre prosperidade e procurarem por distorções. Silas diz que não é arauto da teologia da prosperidade, contudo, a pregação é fraca e com erros básicos de hermenêutica e exegese, fácil de refutar, só um exemplo: ele embasa seu discurso, que pra ele é uma doutrina bíblica, só em uma versão da bíblia, provavelmente a ARC, sendo que às vezes só foca numa palavra, ou na parte b de um versículo. Não se embasa doutrinas dessa forma. Silas ignora completamente o contexto de 2Co 8-9, por isso, seus argumentos são tendenciosos e falaciosos. Para os incautos, um grande discurso, para os mais atentos, uma lástima. Silas está tão seguro de si, que não percebe a teologia da prosperidade em seu discurso.

Mas meu objetivo maior não é refutar o discurso do Silas, e sim, oferecer uma análise do capítulo 9 de 2Co. Refutações colocarei em nota de rodapé, quando julgar necessário, e algumas ao longo do próprio texto.

Aqui reforço, é muito importante que você leia a primeira parte desse texto, pois o contexto é fundamental para entendermos o que de fato Paulo quis ensinar a igreja de Corinto e o que esse texto nos comunica hoje.

2Co 9.1-5

No início desse capítulo, Paulo está reforçando o zelo dos coríntios em relação ao levantamento da coleta. Diz que está enviando os irmãos (Tito e outro irmão) apenas para ajuda-los nesse processo. (para ler refutação ao Silas, confira a nota de rodapé [1]). No v.5 fica evidente a maneira como Paulo enxerga essa coleta: uma dádiva, como expressão da generosidade daqueles que ofertam. Aqui cabe dizer que Silas Malafaia erra na sua pregação ao fazer todo um arrazoado em cima da palavra bênção, dizendo que oferta é bênção, e isso é favor de Deus e meio de felicidade. Ainda que bênção de modo geral possa significar isso, essa análise da palavra é completamente descabida para esse texto, pois aqui ela não significa isso, significa apenas dádiva aos necessitados. A palavra grega eulogia/bênção nesse texto é empregada como generosidade[2]. É um texto simples e claro, Paulo diz que essa oferta é uma dádiva generosa, e que mostrará que os coríntios não são avarentos. Não adianta querer espiritualizar o texto e tentar arrancar verdades que ele não quer dizer.

2Co 9.6-15

No versículo 6 temos a tão famosa lei da semeadura. Aqui Paulo emprega uma metáfora com base na vida agrícola (a regra do camponês) como forma de incentivar, mais uma vez, os coríntios a ofertarem afim de remover a barreira que poderia estar impedindo a coleta naquela igreja, pois sabemos que Paulo tinha “adversários” em Corinto. A metáfora é clara em si, e aqui o semear é sinônimo de dar. Contudo, e aqui isso deve ficar muito claro, não podemos interpretar Paulo e sua “lei da semeadura” só com base no versículo 6, que de fato, soa muito utilitarista e mecânica, mas a luz do versículo 10, entendemos que toda semente provém de Deus[3], ele é o doador de toda boa dádiva. Deus abençoa seu povo para que seu povo abençoe quem precisa, e isso gera louvores a Deus. Esses textos não são garantias de prosperidade material, mas incentivos para a igreja demonstrar que um povo salvo pela graça, é gracioso.[4]

Obviamente, a bênção material não está fora de questão, Calvino já dizia que devemos entender essa colheita tanto em termos de recompensa espiritual de vida eterna como também uma colheita de bênçãos terrenas, com as quais o Senhor agracia o benfeitor.[5] Porém é muito importante termos em mente duas coisas:

1 – ainda que Deus abençoe financeiramente seu povo, proporcionando uma colheita farta no terreno físico, esse não é o padrão do NT (2Co 8.9; 11.27; Lc 6.20-21,24-25; Tg 2.5)

2 – Não tem cabimento dentro do todo da teologia paulina, um incentivo a ofertar no intuito de possuir riquezas e prosperidade nesse mundo, pois para Paulo e demais autores do NT, Cristo já estava retornando buscar seus eleitos. O senso de peregrinação era muito forte na igreja primitiva.

Na continuação Paulo fala que a oferta deve ser dada com alegria (v.7) pois quem dá com tristeza e constrangimento, não agrada a Deus. Oferta como fruto de coerção não gera boa colheita. Agora prezado leitor, seja sincero, a forma como esses telepastores pedem suas ofertas, não são coercitivas? Trazer pregadores americanos, ou garantir que Deus prosperará se você ofertar, não é uma forma de indução? A ARA utiliza a palavra necessidade nesse versículo, e isso é interessante, pois muita gente oferta não para abençoar, mas por necessidade, pois precisa melhorar de vida, sair do buraco, e nesse processo literalmente transforma a oferta numa aposta, na qual espera ganhar mais que o dobro.

Os versículos 8 e 9 querem reforçar a ideia de que toda nossa semeadura é fruto da graça de Deus agindo no seu povo e por meio deste, suscitando louvores ao seu nome (v.15). E o versículo 10 ratifica essa ideia mostrando essa cooperação entre o divino e o humano.

Nos versículos seguintes fica evidente que aquele que é generoso na doação é enriquecido na simplicidade (esse é o sentido a partir do texto grego[6]). Paulo reforça nos v.12-13 a importância dessa coleta para a igreja de Jerusalém e como esse ato representa a obediência das igrejas gentílicas ao senhorio de Cristo. E isso tem contexto interessante, pois sabemos que as igrejas gentílicas não foram aceitas imediatamente pela igreja mãe em Jerusalém (At. 15). Essa coleta não alegrará os santos em Jerusalém só pela quantia em dinheiro que receberam, mas pela evidência da ação de Deus entre os gentios na obediência ao evangelho de Cristo.

Paulo encerra o assunto falando mais uma vez da graça de Deus, a mola propulsora de toda essa ação da igreja, que mostra a força do amor a da união, nesse caso, judeus e gentios servindo ao mesmo Senhor.

Muitas outras coisas poderiam ser ditas, mas imagino que o aqui exposta já o suficiente para entendermos essas passagens bíblicas. Como disse na parte A dessa reflexão, toda oferta e  dízimo deve ser manifestação de gratidão, a partir do momento que ofertamos em formas de esquemas e barganhas, perdemos o sentido da oferta.

Então que sejamos dizimistas e ofertantes, afim de não deixar a avareza se apoderar de nós, e que sejamos senhor do nosso dinheiro, que ele nos sirva, e não o contrário, pois a partir do momento que nos tornarmos escravo dele, perderemos nosso senso de peregrinação e ofertaremos com segundas intenções, do jeito que o diabo gosta!

 


[1] No versículo 4 Silas apoiado na ARC que diz: “A fim de, se acaso os macedônios vierem comigo, e vos acharem desapercebidos, não nos envergonharmos nós (para não dizermos vós) deste firme fundamento de glória.” Faz todo um arrazoado em cima da expressão fundamento de glória, dizendo que oferta é algo espiritual e coisas do tipo. Contudo, essa expressão não é encontrada nos melhores manuscritos, sendo que versões mais modernas nem traduzem mais assim. Ou seja, ele espiritualiza algo simples e claro.
[2] GINGRICH, F. W.; DANKER, F. W. Léxico do N.T. grego/português. São Paulo: Vida Nova, 2003. pág. 88.
[3] E aqui Silas erra mais uma vez, pois interpreta esse versículo no sentido de que aquele que semeia na vida de quem dá muitos frutos, prosperará ainda mais. Ele é esperto, mostra em seu programa projetos sociais e diz, a grosso modo, “seja meu parceiro que aqui a coisa rende, e você prosperará”. Mas como vimos no texto, isso é um equívoco exegético.
[4] BOOR, Werner de. Carta aos coríntios. Curitiba: Esperança, 2004. p. 436-437.
[5] CALVINO, J. 2 Coríntios. São Paulo: Paracletos, 1995. p. 189.
[6] BOOR, 2004. p. 437.