O QUE É BATISMO COM FOGO?

Esse assunto nunca sai de moda: afinal, o que é o batismo com o fogo? Não existe unanimidade na definição e por isso, apresento aqui o resultado de uma pesquisa que fiz. Ela não foca no batismo com o Espírito Santo, mas na relação que há entre o batismo com o Espírito Santo e o […]



28 de maio de 2018 Bibotalk Textos

Esse assunto nunca sai de moda: afinal, o que é o batismo com o fogo? Não existe unanimidade na definição e por isso, apresento aqui o resultado de uma pesquisa que fiz. Ela não foca no batismo com o Espírito Santo, mas na relação que há entre o batismo com o Espírito Santo e o batismo com fogo.
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A expressão batismo com o Espírito Santo e com fogo nos casos de Mateus e Lucas só aparece no contexto da pregação de João Batista. O contexto dessa pregação é o anúncio do Reino dos Céus e a necessidade de arrependimento (mudança de mente) para ingresso nesse reino. O termo grego metanóia utilizado pelos evangelistas designa a renúncia ao pecado e uma volta à Deus.[1]

João anuncia o julgamento. A este respeito, na descrição dos sinóticos […], João é, de certo modo, pregador apocalíptico. Isto é, João prega um julgamento iminente, a destruição dos que se opõem ao plano e a vontade de Deus, e oferece perdão para os que buscam ser como ele prega. A mensagem de João tem o tom de urgência apocalíptica. No evangelho, João simboliza um momento de grande alcance. Há um ritmo escatologicamente acelerado em seu ministério e em sua mensagem. Sua pregação sugere que algo impressionante está prestes a acontecer.[2]

A pregação de João é a preparação da vinda de Jesus, e os sinóticos dizem isso a luz de Isaías 40, tornando sua pregação um evento profético, instaurando assim um novo tempo para Israel. “A atuação de João […] esteve de acordo com os moldes da tradição profética. Anunciou que Deus estava prestes a agir decisivamente na história para manifestar seu poder real.”[3] Isso obviamente agitou toda a Judeia pois logo em seguida, Deus havia suscitado um novo profeta para declarar a sua vontade ao povo.

Na pregação de João, além do arrependimento como antecipação dessa chegada do reino, eram necessários dois aspectos: o batismo com o Espírito Santo e o com o fogo. Marcos menciona apenas o batismo com o Espírito.

Muitas interpretações têm sido sugeridas ao longo da história levando a muitos caminhos. Alguns sugerem que que João anunciou somente o batismo com fogo, o fogo purificador do juízo iminente e que o Espírito é acréscimo da comunidade cristã após Pentecostes. Outros sugerem que o pneuma nessa sentença diz respeito não ao Espírito Santo, mas ao sopro fulminante do Messias que destruiria seus inimigos (Is 11.3).

Outro ponto de vista, e que se encaixa melhor no contexto, é a de aquele que estava por vir batizaria os justos com o Espírito Santo e os ímpios com fogo. Ainda que na concepção dos judeus o Messias não seria o concessor do Espírito, Ladd afirmou que “não há razão para que se negue a João um elemento novo na questão”[4] até porque Deus estava iniciando um novo tempo e que de muitas maneiras estava sendo diferente da compreensão que o povo tinha na época. Mesmo porque, o derramamento do Espírito é amplamente prometido no Antigo Testamento (Is 44.3-5; 32.15; Ez 37.14) como o texto explorado na pregação de Pedro no dia de Pentecostes (Joel 2.28-32).

Essa efusão do Espírito no Dia do Senhor, dia esse que simboliza o julgamento de Deus sobre o pecado humano, fecha com a tônica da pregação de João Batista, onde o Senhor virá salvar os que se arrependerem (batismo com o Espírito Santo) e condenar os que permanecerem no erro (batismo com fogo).

Se olharmos para a vida e obra de Cristo nessa perspectiva, veremos como ela é cheiro de vida para uns e cheiro de morte para outros (2Co 2). Em Cristo, o amor e a justiça de Deus tiram o ser humano da neutralidade, ou ele é batizado com o Espírito, ou ele é batizado com fogo.

Assim, o batismo com fogo, à luz do contexto da pregação de João, é anúncio de julgamento, como podemos depreender dos versículos anterior e posterior: “O machado já está posto à raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e lançada ao fogo” (Mt 3.10; Lc 3.9) e “Ele traz a pá em sua mão e limpará sua eira, juntando seu trigo no celeiro, mas queimará a palha com fogo que nunca se apaga.” (Mt 3.12; Lc 3.17). A partir de Mateus se entende que parte desse discurso agressivo de João é direcionado aos fariseus e saduceus, que apoiavam a sua salvação no fato de serem descendentes de Abraão, pois os mestres rabínicos ensinavam que a todos os descendentes de Abraão segundo a carne será dado o reino eterno, ainda que sejam pecadores e desobedientes a Deus. Mas para João isso não se encaixa no novo reino, “quando viu que muitos fariseus e saduceus vinham para onde ele estava batizando, disse-lhes: “Raça de víboras! Quem lhes deu a ideia de fugir da ira que se aproxima?”. Para um israelita ser chamado de “ninhada de serpentes” era arrasador, pois a velha serpente era sinônimo de mentira e poder das trevas. João estava dizendo que não era a semente de Abraão que estava no coração deles, mas a antiga maldição lançada por Deus sobre a serpente.[5]

Os fariseus tinham a firme convicção de que eram como a árvore plantada junto à corrente de águas, que no devido tempo dá seu fruto (Sl 1). João afirma o contrário, eles se assemelham a uma árvore infrutífera, tão imprestável, que a madeira nem para fins domésticos serve, deve ser queimada pelo fogo.[6] Todo ritualismo e legalismo dos fariseus e saduceus não eram frutos de um coração arrependido (Mt 3.8[7]). Por isso o machado já está pronto. A piedade farisaica também era convicta de que eles seriam o trigo recolhido ao celeiro, Batista novamente diz o contrário e mais uma vez o fogo é utilizado como símbolo de juízo.

Alguns autores entendem que o fogo nos versículos de Mateus 3.11 e Lucas 3.16 pelo fato de estar em aposição com batismo com o Espírito Santo, não tem o sentido de julgamento. Rienecker falou do fogo no v.16 como símbolo do juízo misericordioso que purifica e limpa, como o fogo do ourives. Defendeu a ideia afirmando que os israelitas estavam familiarizados com esse efeito purificador do fogo.[8] Morris afirmou que o contexto das passagens em análise favorece um contexto de julgamento. Relatou ainda uma pesquisa que achou nos Rolos do Mar Morto, uma passagem que se referia a um fogo escatológico de julgamento, contudo, Morris defendeu:

São as mesmas pessoas que são batizadas com o Espírito Santo que também são batizadas com fogo (e os dois são governados por um único en em no grego). Parece melhor entender que João está pensando nos aspectos positivos e negativos da mensagem do Messias. Os que O aceitam serão purificados como pelo fogo (Ml 3.1) e fortalecidos pelo Espírito Santo.[9]

Muitos autores pentecostais seguem essa linha, e alguns associam essa passagem com a descida do Espírito em Pentecostes: “E viram o que parecia línguas de fogo, que se separaram e pousaram sobre cada um deles”.[10]

Ainda que o fogo na Bíblia simbolize a glória de Deus (Ez 1), Sua presença protetora (2Rs 6), Sua santidade (Dt 4), purificação (Zc 13), simboliza também sua ira contra o pecado (Is 66).[11] Dessa forma, não existe um simbolismo fixo para o fogo, sendo o contexto fator determinante para o seu significado.

Evans defendeu a ideia de que a utilização do fogo como símbolo de juízo no v.17 “assegura-nos que o fogo no v. 16 tem o sentido de julgamento […] João Batista está dizendo que aqueles que estão prontos para receber o Messias experimentarão o batismo com o Espírito Santo, mas os que o recusarem, receberão batismo de fogo.”[12] Mounce foi na mesma direção expondo a grande frequência com que Mateus utiliza o fogo com símbolo de julgamento (5.22; 7.19; 13.40, 42; 18.8; 25.41).[13]

Retomando o versículo, “Ele traz a pá em sua mão e limpará sua eira, juntando seu trigo no celeiro, mas queimará a palha com fogo que nunca se apaga.” (Mt 3.12; Lc 3.17), torna-se ainda mais evidente o contexto de julgamento divino mediante o fogo. O fato do fogo ser símbolo de juízo é reforçado pela ideia de que Lucas quando relembra esse tema em Atos, ele não coloca o fogo, pois aqui é um discurso de Jesus direto aos seus discípulos. (At 1.4-15).

E aí, qual o seu posicionamento?

por Rodrigo Bibo

[1] BÍBLIA de Jerusalém, 2004, p. 1706.
[2] OVERMAN, 1999, p. 64.
[3] LADD, 2003, p. 55.
[4] LADD, 2003, p. 56.
[5] RIENECKER, 1994, p. 60.
[6] RIENECKER, 1994, p. 63. LADD, 2003, p. 57.
[7] “Deem fruto que mostre o arrependimento!” O aoristo do grego original significa que uma ação completa e imediata deve ser realizada. TASKER, 1999, p. 40.
[8] RIENECKER, 1994, p. 91.
[9] MORRIS, 1999, p. 93-94.
[10] SOUZA, 1987.
[11] MITCHEL fogo In: DOUGLAS, 1995, p. 634.
[12] EVANS, 1996, p. 63.
[13] MOUNCE, 1996, p. 34.