Dossiê: Desigrejados

Embora os cristãos brasileiros formassem uma parcela pequena da população até a década de cinquenta, esse número tem crescido nos últimos anos, atingindo 22% da população no censo IBGE de 2010. Mas não é só o crescimento que chama a atenção. Há um número cada vez maior de “evangélicos desinstitucionalizados”, membros do niilismo eclesiástico, evangélicos […]



13 de abril de 2017 Rogério Textos

Embora os cristãos brasileiros formassem uma parcela pequena da população até a década de cinquenta, esse número tem crescido nos últimos anos, atingindo 22% da população no censo IBGE de 2010. Mas não é só o crescimento que chama a atenção. Há um número cada vez maior de “evangélicos desinstitucionalizados”, membros do niilismo eclesiástico, evangélicos não determinados ou sem vínculo, mais conhecidos como desigrejados.

Os dados do IBGE são de que um em cada cinco evangélicos não se enquadra em uma denominação específica. Para muitos desigrejados, a forma adequada de viver a vida cristã é ir a reuniões de diversas denominações, participar só de reuniões informais ou simplesmente ter contato virtual com pregações, música e outros irmãos na fé. Isso pode parecer algo novo, mas cristãos que não se identificam com instituição é um fenômeno mundial antigo. Católicos por exemplo, lidam há muito tempo com os fiéis nominais ou “não praticantes”. O que acontece é que só recentemente a igreja protestante no brasil tem convivido com pessoas que acham que não precisam se filiar a alguma instituição para viver sua religiosidade, escolhendo ter liberdade e autonomia.

Para diversos autores que falam sobre o tema, como Silvia Fernandes, Nelson Bomilcar, Idauro Ramos e Denise Rodrigues, vários países têm grupos cada vez maiores de cristãos identificados como protestantes mas que não se identificam com qualquer grupo institucional. Segundo Alan Reis e Livan Chiroma, em seus trabalhos na universidade metodista de São Paulo, o fenômeno do “niilismo eclesiástico” começa logo depois da fragmentação do movimento evangélico brasileiro em cada vez mais denominações, por volta da década de setenta. Após 1990, com a consolidação do movimento neopentecostal, o maior uso da mídia e as mega igrejas, o número de desigrejados também aumenta muito, saltando de números inferiores a um por centro para cerca de cinco por cento da população brasileira.

Os tipos de desigrejados

Marcio Muniz debateu a questão dos cristãos protestantes anônimos, que não se vinculam a rótulo institucional, em um trabalho apresentado no curso de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Ele cita Bomilcar quando classifica o grupo de desigrejados em 4 tipos:

  • Há os desigrejados por convicção, que decidem estar fora do sistema, digamos, por causa de uma convicção pessoal, em geral usando argumentos teológicos para defender sua posição. Segundo o pastor Nelson Bomilcar, “essas pessoas consideram que a igreja está desvirtuada em sua natureza, essência, na proposta relacional comunitária e em sua proposta de missão e serviço. Elas alardeiam a distância entre o que vemos hoje na prática e o que poderia ser feito visando o melhor dos fundamentos colocados por Jesus e seus apóstolos.”
  • Os decepcionados, que saem da igreja local sem nenhum desejo de voltar depois passarem por experiências pessoais negativas. Eles até podem usar argumentos bíblicos para justificar isso, mas em geral a motivação é muito mais complexa. Benjamim L. Corey, um teólogo norteamericano que escreveu o texto Ten reasons why people leave church elenca decepções como o senso comunitário, hipocrisia, dramatização de problemas comuns da vida, clubismo, nepotismo, alpinismo social, excesso de controle e falta de ensino pela liderança, solidão, e por fim, falta de Cristo na vida eclesiástica, como diversos motivos que levariam alguém a decidir seguir sozinho
  • Os informais são aqueles que decidem, por diversos motivos, acomodar uma rotina irregular e sem vínculo por ser mais conveniente à sua rotina. Aqui temos tanto cristãos que frequentam diversos cultos de diferentes denominações, sem vínculo com nenhuma delas, até aqueles que vão a cultos domiciliares ou em outros ambientes sem formalidade institucional, liderança organizada ou mesmo periodicidade determinada. As reuniões podem ocorrer em bares, teatros, lojas ou residências. Qualquer grau de organização destas reuniões já retiraria esse grupo de definição de “sem-igreja”
  • Os desigrejados virtuais, que vivem sua religiosidade longe de um grupo físico. Talvez estes sejam fruto da própria tecnologia, em uma realidade onde pessoas podem se converter sem que precisem frequentar igrejas ou grupos eclesiásticos. Outros escolhem viver o cristianismo só no ambiente de internet como forma de autoproteção, se servindo de músicas, sermões, estudos bíblicos e até a ceia em redes sociais e sites. Há alguns trabalhos voltados para este público.

Como os desigrejados se comportam

Mas o niilismo eclesiástico, esse movimento de não se vincular a uma igreja, seria uma proteção contra o ser humano, ou a instituição? Márcio Muniz, no seu trabalho, classifica o comportamento dos desigrejados também em 4 níveis, baseado na interação com outros evangélicos no exercício da fé.

  • No extremo individual, temos aqueles que se isolam totalmente, lendo a Bíblia e vivendo sua religiosidade sem qualquer influência interpessoal;
  • Num nível acima temos os virtuais, que mantém um contato mínimo com outros cristãos só pela internet
  • Depois temos os eventuais, que de vez em quando visitam alguma instituição ou grupo
  • Por fim, temos o desigrejado que já está em vias de sair de vinculação, que já se identifica com algum grupo de desigrejados, e pode ser considerado “reinstitucionalizado” caso esse grupo se organize mais (tendo reuniões periódicas fixas, por exemplo).

As respostas a esse movimento também são muitas, e vão desde trabalhos específicos de acolhimento de pessoas e reinstitucionalização, ou grupos eclesiásticos de organização simplificada (conhecidos como “igrejas orgânicas”) ou trabalhos de assistência virtual para estes cristãos que se encontram distantes do ambiente físico.

Parece que é mais fácil que esse fenômeno aumente do que diminua, e a igreja institucional, mesmo que tente fugir disso, cada vez mais gera desigrejados. É possível reverter esse quadro?

Referências

  • David Hay, Kate Hunt. UNDERSTANDING THE SPIRITUALITY OF PEOPLE WHO DON’T GO TO CHURCH – A Report On The Findings Of The Adults’ Spirituality Project At The University Of Nottingham. Mission Theological Advisory Group. Centre For The Study Of Human Relations, August 2000. Disponível Em: Spiritualjourneys.Og.Uk

  • R. A.  MUNIZ, Silvia R A Fernandes. UM OLHAR SOBRE OS EVANGÉLICOS SEM DENOMINAÇÃO NO CENSO DE 2010.  2014Monografia Apresentada Ao Curso De História Como Requisito Parcial Para Obtenção Do Título De Licenciado Em História. UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO. Nova Iguaçu 2014.

  • Bellamy and Keith Castle.  2001 Church Attendance Estimates February 2004. The National Church Life Survey (NCLS). Australia, February 2004.

  • N dos Reis, Lauri E. Wirth. “Não entrei em crise com Deus”: A Desinstitucionalização da Religião na ótica de ex-alunos(as) de Teologia Evangélica. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião. Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião. Faculdade de Humanidades e Direito, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2014.

  • Chiroma. Igrejas Orgânicas – mobilidades e reconfiguração religiosa: o caso do “Caminho da Graça”. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião. Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião. Faculdade de Humanidades e Direito, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2014.

  • Stahlhoefer, Alexandre Milhoranza, Mauricio Machado, Rodrigo Bibo de Aquino .Mosaico Teológico. BTBooks, 2014.