Diálogo Inter-religioso #2

Intervalo entre uma aula e outra na universidade é o tempo que temos pra tomar um cafezinho, comer algo e trocar umas ideias. É alí que surgem grandes filosofias de corredor, ou talvez, apenas bate-papos descontraídos e divertidos. Encontrei o Anton olhando pela janela, com um café na mão num destes intervalos. – E aí […]



17 de agosto de 2013 Alex BTContos

Intervalo entre uma aula e outra na universidade é o tempo que temos pra tomar um cafezinho, comer algo e trocar umas ideias. É alí que surgem grandes filosofias de corredor, ou talvez, apenas bate-papos descontraídos e divertidos. Encontrei o Anton olhando pela janela, com um café na mão num destes intervalos.

– E aí Anton, tranquilo?

– Tudo certo Clive. Interessante aquele papo de ontem… – disse-me interessado.

– Legal, não faço o tipo de religioso que sabe tudo. Sempre podemos conversar sobre qualquer assunto.

– É a primeira vez que eu converso com um padre, sei lá, religioso que responde as minhas perguntas. – Ainda titubeante e tentado se desculpar – Os padres ortodoxos não são muito abertos pra questionamentos. Nenhuma doutrina pode ser questionada, devem ser somente aceitas. Agente aprende desde pequeno os dogmas, as liturgias e os comportamentos aceitos na Igreja, mas ninguém pode pensar, só obedecer.

– Diria um amigo meu do sul do Brasil: “complicado isso daí tchê”! – disse descontraindo o momento – Na Igreja Evangélica há também dogmas, liturgias e comportamentos aceitos, acho que isso faz parte da “organização religiosa”. Mas pelo menos do que depende de mim, estou sempre aberto pra conversar, concordar, discordar, esclarecer, enfim, falar a respeito de forma aberta e clara.

– Legal cara. Quero te fazer uma pergunta então… olha só! No Novo Testamento há duas genealogias de Jesus, certo? – Introduzindo ele o assunto.


-Sim.

– Então, eu já li elas algumas vezes e parei pra observar que elas não são iguais.

– Realmente não são. – tentando realmente mostrar meu interesse pela pergunta que viri.

– Qual a razão disto?

– Judeus faziam genealogias como uma forma de remeter a sua vida presente à história de Deus com seu povo ao longo da história. Não é como hoje agente diz “eu sou da família Windsor”, por isso sou importante. A ideia é dizer, meu pai, meu avô, bisavô e assim sucessivamente serviram a Deus e todos eles estão de algum modo ligados aos patriarcas de Israel, e não por último ao próprio Abraão.

– Tá legal isso. Então eles não queriam provar que eram de sangue puro? – Surpreso com informação nova.

– Não. Tanto que na genealogia de Jesus aparecem alguns “diferentes”: uma prostitua, uma mulher moabita… não só reis e gente famosa e importante.

– Ah entendi. Mas e porque então duas genealogias diferentes? – Esta era a real questão que ele queria logo de cara ter feito.

– Alguns dizem que uma genealogia pertence à Maria e outra a José. Em todos os casos, parece ser mais claro que ambas são de José.

– Complicou agora cara! Porque se fossem do pai e da mãe tava explicada a diferença, quer dizer então que temos uma contradição aí? – Sua pergunta-pegadinha era uma forma de tentar desestabilizar meu “discurso religioso”.

– Não exatamente. Os evangelistas não tinha intenção de escrever uma genealogia completa. Dá pra ver isso quando comparamos as duas e percebemos que há omissões. Ou seja, faltam nomes! Isso não chega a ser um problema, uma vez que a intenção da genealogia não é provar que Jesus é mais puro, mais “judeu” que os outro, ou mais “rei” do que outros.

– E, então?

– Como eu já disse antes, a genealogia quer mostrar que Jesus é tanto descendente da casa real de Davi, por isso o título filho de Davi, tanto quanto é também descendente de Adão, isto é, ele é um ser humano, mesmo sendo filho de Deus.

– Agora você falou uma coisa que eu não aceito de modo algum. – Com ar de quem já sabe tudo, e entrou no papo apenas pra “ganhar”.

– A que se refere exatamente?

– Se a genealogia é de José, então se assume que José é o pai, e não Deus! – Sua conclusão pareceria a mais lógica, portanto a filiação divina tinha que ser uma balela.

– Não necessariamente. José aceitou o filho de Maria “com” Deus como sendo seu filho legítimo. Por isso assumiria também sua genealogia.

– Tá, faz sentido. Mas ainda assim creio que Jesus era só o filho de José… – um tanto desconsertado por entender a fraqueza do seu argumento.

– Bom, você tem liberdade pra isso. Pense e creia como quiser.

– Você sabe, não creio em nada sobrenatural. Além disto a Bíblia é muito cheia de histórias estranhas que precisam de muitas explicações pra serem entendidas. Mesmo assim o papo foi legal.

– A Bíblia trata de assuntos de fé. Ou você crê na sua mensagem ou você não crê. Ela não precisa provar nada, nem dar explicações científicas pra aquilo que ela quer ensinar. Ela não é livro de paleontologia, historiografia ou geografia. Também não é um manual de instruções fechado, um código de conduta e moralidade a ser simplesmente aplicado sem qualquer interpretação, antes é uma carta de amor de Deus a nós. Ela revela o caráter de Deus e suas obras, assim como ela nos mostra o caminho até Jesus.

– Esse é o problema, eu quero explicações racionais, não crenças. Por isso religião não cola comigo. – Disse ele assertivo.

– Ok mano, sem problemas. Pra mim vale o seguinte: “eu creio, apesar de não compreender muita coisa”, nas coisas a respeito de Deus eu ando por fé, não pelo que vejo ou o que entendo e sei. Andar com Deus faz minha vida ter mais sabor e sentido, não mais explicações e conceitos.

– Bem existencial isso! Pensarei a respeito… – me disse enquanto jogava seu copinho de café no lixeiro e me convidando pra entrar novamente na sala de aula.