BTask 002 Leitura e interpretação bíblica

Queridos amigos, gostaria de solicitar um esclarecimento sobre versões da Bíblia. Qual seria a mais adequada? Na internet, vejo as pessoas que gostam das bíblias que se baseiam nos textos majoritários e que são contra as bíblias que possuem a versão dos textos críticos e vice-versa. Sendo assim, fico nesse fogo cruzado. “Help! I need […]



26 de março de 2014 Alex BTAsk

Queridos amigos, gostaria de solicitar um esclarecimento sobre versões da Bíblia. Qual seria a mais adequada? Na internet, vejo as pessoas que gostam das bíblias que se baseiam nos textos majoritários e que são contra as bíblias que possuem a versão dos textos críticos e vice-versa.
Sendo assim, fico nesse fogo cruzado. “Help! I need somebody”, já cantavam os Beatles! rsrsr

Olá amigo,

Com relação à sua dúvida sobre a melhor versão da Bíblia, eu sugiro a você aquilo que eu mesmo faço. Para um estudo de um trecho específico da Bíblia utilize as várias versões em português disponíveis (a internet facilita bastante este trabalho).

Recomendo, particularmente, as versões NVI (Nova Versão Internacional), Bíblia de Jerusalém, Almeida Século XXI ou Almeida Atualizada. Não recomendo em hipótese alguma a Almeida Corrigida.

Para uma leitura anual, nestes últimos anos, tenho lido uma versão diferente por ano. Isso é muito enriquecedor e incentivo você a fazer o mesmo.

Mas, como eu sempre digo: o ideal mesmo é aprender a ler em grego e hebraico e fazer a sua própria tradução!

Abração e sucesso na sua leitura e pesquisa bíblicas.
Alexandre Milhoranza

[Em resposta às perguntas do João e do Marcio, abaixo nos comentários, Milhoranza ampliou suas considerações com relação à versão Almeida Revista e Corrigida]

Olá Marcio e João! Muito obrigado pela audiência!

Bom, quanto à minha recusa na recomendação da versão Almeida Corrigida vai um pouco além da linguagem arcaica. Para entendermos isso temos que ter em mente um pouco do processo de formação da Bíblia. Aqui neste espaço vou priorizar a explicação do NT para um primeiro entendimento, ok?

Os documentos originais que compõem o NT não existem mais há muito tempo. Logo no começo da formação da igreja estes documentos foram sendo copiados e espalhados entre as diversas comunidades cristãs primitivas. Com o passar do tempo algumas localidades tinham um conjunto de livros do NT, enquanto outras comunidades possuíam outro conjunto de livros do NT.

Conforme os meios de comunicação cresciam, havia a necessidade de mais cópias dos livros e cartas do NT. Entretanto, durante essas cópias, alguns copistas foram colocando “notas de rodapé” nas margens, algo como “notas explicativas” de alguns textos.

Ao mesmo tempo, algumas dessas cópias saíam com erros dos copistas por não entenderem a letra do copista anterior. Logo, começaram a existir “famílias” de cópias, ou variantes textuais como os estudiosos costumam chamar.

Com este entendimento sobre variantes textuais podemos entender melhor porque os teólogos indicam algumas versões e não indicam outras.

A versão Almeida Corrigida provém do texto de Erasmo de Roterdã, que, desde o século XVI, já tinha recebido várias críticas sérias. Daí vem o a versão que ficou conhecida como “Textus receptus”.  Entretanto, o Textus Receptus era praticamente o antigo manuscrito bizantino.

O manuscrito bizantino era uma mescla de vários outros manuscritos mais antigos com diversas modificações de estilo, isto é, claramente editado de forma a alterar até mesmo o sentido do texto, caso este apresentasse algum tipo de aspereza linguística se fosse o caso.

Portanto, em virtude da descendência dessa mescla e clara intensão de modificação de textos mais antigos eu não recomendo esta versão da Bíblia, cujas alterações podem atingir até mesmo 15% do conteúdo total do NT.

Na cidade onde vivo, tenho muita dificuldade de ir à única igreja protestante existente, pois sempre está fechada e não consigo entrar em contato com nenhum responsável por ela. Há dois dias, bateram à minha porta duas senhoras simpáticas Testemunhas de Jeová, querendo pregar sobre o que elas acreditam. Elas disseram que precisavam de pessoas que fossem evangélicas e que falassem português. Como estou estudando apologética, pensei em estar no meio deles para evangelizá-los com aquilo que acredito e tenho a convicção de ser a verdade. Dessa forma, a minha pergunta é: será que estar no meio de quem professa de forma errada a Palavra de Deus comprometeria a minha salvação? Será que Deus proíbe tais relacionamentos, como consta nas cartas paulinas? Posso estar no meio deles para falar sobre minha crença, adotando a teologia clássica e consistente, além de declarar a minha confissão de fé (credo dos apóstolos)?

Olá!

A sua pergunta traz uma intenção muito boa e louvável: evangelizar e esclarecer pessoas a respeito das boas-novas do Evangelho. Quanto a isso, não há qualquer contraindicação, bem pelo contrário, somos incentivados a anunciar a verdade em todo momento.

A grande questão que você coloca, no entanto, se refere à sua participação, ainda que momentânea, em uma seita cristã, com o objetivo de trazê-los à verdade. Não me parece que esta atitude seja condenável à primeira vista. Entretanto, arrolo algumas dificuldades que você poderá sofrer:

Forte discordância. Estando em uma comunidade na qual a doutrina fixada é x, a possibilidade de que aceitem que você professe, ensine e defenda a posição y é zero. Em se tratando das Testemunhas de Jeová (TJs), não acredito que você encontrará qualquer espaço no meio deles para apresentar contra-argumentos. No máximo, deixarão você expor o que pensa para em seguida retrucarem com suas doutrinas.

Isolamento. No começo você receberá a atenção deles, pois é um novo convertido em potencial, isto é, você será o alvo da “evangelização”, ou melhor, do doutrinamento deles, e não o contrário. Eles é que bombardearão você com literatura, dúvidas e questionamentos. Pode ser que você seja firme o suficiente para aguentar isto tudo. E se assim for, logo você estará isolado do grupo, pois não aceitando as doutrinas das TJs, eles não verão razão para conceder a palavra ou espaço para você.

Não há comunhão cristã com TJs. Isso pode parecer duro demais, mas é verdade. Sempre pregamos a tolerância e o respeito no plano das relações humanas. Um TJ terá sua pergunta respondida aqui no Bibotalk e eu não teria dificuldades em manter uma amizade com um TJ. Entretanto, a comunhão cristã, isto é, o fazer parte de um só corpo de Cristo é possível por meio da comunhão no Espirito Santo propiciada a todos que creem em Cristo Jesus. Aí alguém poderá dizer: “Mas os TJs também creem em Jesus”. Sim, mas em qual Jesus eles creem? 2 João 7-11 nos ensina que não devemos ter comunhão com aqueles que professam que Jesus não veio em carne. Este texto é uma instrução aos cristãos para que não participem da heresia gnóstica, que cria Jesus ser alguém sem corpo, algo como um fantasma. Deste texto compreendemos que não temos como chamá-los de cristãos e assim participar junto deles na adoração, no louvor, no ensino de grupos que não professam as doutrinas fundamentais à fé cristã, isto é a trindade, as duas naturezas de Cristo, a autoridade das Escrituras, a salvação pela graça mediante a fé, a volta de Cristo e a ressurreição dos mortos, conforme os credos da Igreja Antiga.

O melhor espaço para o debate apologético é o espaço público. Lá onde ambos têm liberdade para expor seus pensamentos e doutrinas sem que alguém sofra pressão do ambiente ou das pessoas. Ir ao templo de outra religião para lá fazer prosélitos é insensato. Que Deus o ajude a encontrar um espaço de comunhão e crescimento aí onde você está.

Abraços,
Alex.

Olá BTCasters,
Aproveitando esse espaço que vocês abriram para perguntas, deixo aqui a minha dúvida sobre as passagens de Mateus 16:19 e 18:18. Na versão Almeida, temos: “[…] tudo quanto ligardes na terra será ligado no céu; e tudo quanto desligardes na terra será desligado no céu”. Já na NVI, temos: “[…] tudo o que vocês ligarem na terra terá sido ligado no céu, e tudo o que vocês desligarem na terra terá sido desligado no céu”.

Na tradução da versão Almeida, é possível entender que primeiro vem a ligação na terra e, consequentemente, a ação no céu. Já na NVI, parece-me que o que for ligado na terra já teria sido ligado no céu antes, se não estou enganada.

Dessa forma, essas passagens podem mesmo ser usadas para defender a atitude do crente ao “declarar palavras de poder/fé para que estas tenham efeito no mundo espiritual e só então as coisas venham acontecer no mundo natural”? Isso é heresia? Como podemos lidar com essas diferenças nas traduções que parecem entrar em contradição quanto ao seu sentido?
Obrigada pelo espaço!

Olá!

Veja só como o mundo dá voltas. A mesma passagem que há 500 anos servira de pedra fundamental para o papado, e que Lutero demonstrou ser uma interpretação falsa, agora novamente fundamenta heresias esdrúxulas que querem tirar Deus do poder e colocar o ser humano no trono celestial. Então, vamos por partes para explicar o texto.

Em primeiro lugar, uma questão da língua grega. O versículo possui uma construção em que há uma oração subordinada condicional com subjuntivo aoristo (o que liguei) e a oração principal com indicativo futuro e um particípio perfeito passivo (terá sido ligado). Tanto o subjuntivo quanto o futuro indicam um modo de incerteza, por isso são utilizados na construção de orações condicionais: se condição x for satisfeita, então y acontecerá. O tempo aoristo sempre indica uma ação única no passado (liguei). O particípio perfeito passivo indica que uma ação realizada no passado que continua sendo realizada, ou seja, é uma ação linear, iniciada no passado, mas que continua até o tempo presente. Como o verbo da oração principal está no futuro (será) então o particípio é regido por este. Portanto, a ação começou no passado e se estendeu até o futuro, por isso a tradução “terá sido ligado” (ARA – Almeida Revista e Atualizada, NVI). Traduzir somente com o futuro, como prefere a ARC (Almeida Revista e Corrigida), dá a ideia de que a ação só começa em determinado momento do futuro, e não que ela já começou no passado e se estende para o futuro. O que muda isto na interpretação?

O contexto de Mateus 18 indica que o tema em questão é o perdão dos pecados de alguém que pecou contra a comunidade ou contra os irmãos, enfim, um pecado que tem implicações públicas na comunidade. Em Mateus 16, o contexto é a confissão de Pedro diante de Jesus. No capítulo 16, aparentemente, Jesus dá poder a Pedro para ordenar coisas na terra que teriam validade no céu. Já no capítulo 18, Jesus amplia esta autorização para os demais discípulos, pois como podemos perceber no v. 1 deste capítulo Jesus está se reportando ao grupo dos discípulos. Logo pelo contexto, percebemos que o “ministério das chaves” (chaves do céu), como ficou conhecido na tradição cristã, se refere ao perdão dos pecados, e não a bênçãos, conquistas ou milagres.

Analisando o contexto e a gramática do texto percebemos que Jesus dá autoridade aos seus discípulos para perdoar os pecados daqueles que os confessam e se arrependem. Percebemos que quando um cristão profere o perdão dos pecados, este perdão terá sido dado já no passado, porém com validade contínua até o futuro nos céus. Então, quando um cristão ouve a confissão de um irmão e concede perdão em nome de Deus, não está ordenando ou obrigando Deus a perdoar, mas apenas comunicando aquilo que Deus de antemão já fez, isto é, Deus já perdoou aquela pessoa quando ela confessou seu pecado com arrependimento, dessa forma, o que o ministro faz é apenas comunicar o ato de Deus no passado que se estende até o momento presente. Romanos 5.8 ilustra esta ideia: “Mas Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores”.

Que Deus conceda clareza em meio a este mundo de teologias focadas na vontade e desejo humanos e não na vontade revelada do Deus que é soberano em amor.
Abraços,
Alex.

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