Breve história da música sacra

Por Letícia Arnold 1. Música antes da Reforma: da igreja primitiva à idade média: – Por que falar em música anterior ao séc. XVI?                 Só é possível entender as mudanças adotadas na Reforma se entendermos o contexto histórico-musical; além disso, a música reformada carrega traços do canto gregoriano e da música polifônica, heranças da […]



4 de outubro de 2016 Bibotalk Textos

Por Letícia Arnold

1. Música antes da Reforma: da igreja primitiva à idade média:

– Por que falar em música anterior ao séc. XVI?

                Só é possível entender as mudanças adotadas na Reforma se entendermos o contexto histórico-musical; além disso, a música reformada carrega traços do canto gregoriano e da música polifônica, heranças da Idade Média e Renascença.

                Vamos começar pelo início da história da Igreja. Temos poucos registros de como era a música na igreja primitiva, já que não havia notação musical (a notação, como a conhecemos, começou a ser desenvolvida apenas na Idade Média). Temos alguns resquícios da música grega, que podem ter influenciado, e até a música judaica, transmitida oralmente e com poucas modificações ao longo dos séculos. Não sabemos como eram suas práticas musicais, mas uma coisa: fazia-se música! (vide os salmos, referências à música no AT e NT).

                Para termos uma noção de como – talvez – era a música daquele tempo, podemos recorrer à música completa mais antiga já encontrada: o Epitáfio de Seikilos. Os especialistas variam sua datação de 200 a.C. à 100 d.C. Foi preservado tanto o seu texto quanto a notação musical. Link: https://www.youtube.com/watch?v=bh6n7t_iBy4

                Um grande salto no tempo agora; iremos tratar da música a partir do séc. VIII. Por que um salto tão grande? Porque é nesse século que surge o canto gregoriano [cantochão] e a notação musical em neumas. Não temos registro em áudio, obviamente, mas a notação nos permite reproduzir a música da época. Além da notação musical, registros em cartas, atas, listas de bens e afins nos permitem ter uma noção melhor de como era a música em determinado local – por exemplo, uma lista de bens de um determinado rei, que tinha X flautas, X violinos, etc… Outra ferramenta é a iconografia, embora nem sempre ela é exata, visto que os artistas nem sempre tinham o compromisso e a ideia de criar, pintar e reproduzir um retrato fiel da época.

                Características do canto gregoriano: cantado por HOMENS, sacerdotes, em latim – mesmo que o povo não entendesse latim. Monofônico (ou seja, uma única melodia, que todos cantam em uníssono). Primeiramente, não tinha acompanhamento.

                Link: https://www.youtube.com/watch?v=mW9VaKdH3OY

                No século seguinte, temos o surgimento das primeiras formas de polifonia. Não há mais apenas uma única melodia, mas melodias (o número varia de música para música) que podem ser totalmente independentes entre si.

Séc. IX: surgimento das primeiras polifonias (organum paralelo) e no Séc. XI, o organum livre -uma forma mais complexa de polifonia.

                Ex.: https://www.youtube.com/watch?v=YjCN9lhCQWo

Séc. XII: surgimento da “Escola de Notre Dame”: composições mais complexas, muito elaboradas. Ex.: Léonin e Perotin.

                Ex.: https://www.youtube.com/watch?v=PhqWgfGK1Xw&spfreload=10

Séc. XIII: motetos [alguns profanos – aliás, não se fazia música dentro da igreja, apenas – embora o nosso foco aqui é a música sacra]. Nos motetos, uma das maiores formas de música polifônica, cada voz cantava um texto. O termo moteto vem de “mot”, que significa “palavra”, em francês.

Séc. XIV: Guilherme de Machaut [Ars Nova], Missa de Notre Dame (1365)

                Ex.: https://www.youtube.com/watch?v=1gEV42RKf6E (ouvir o Kyrie, 05:13)

                A Renascença começa, na música, a partir de 1450. Ou seja, quando a Reforma acontece,  estamos no período renascentista. Estes exemplos que ouvimos servem para nos mostrar o nível de sofisticação a que a música chegou, e o quão inacessível essa prática estava da comunidade em geral.

2. Música na Reforma: o que muda?

1. Música na língua vernácula – relação com a tradução da Bíblia para o alemão, buscando dar ao povo um modo de entender aquilo que lê e canta;

2. Música ativa, e não mais passiva: o povo volta a cantar, e não apenas é ouvinte de um espetáculo promovido pelos sacerdotes.

A partir deste conceito reformador, Lutero possibilitou que a Música e o canto comunitário, uma atividade que era apenas tolerada e aparecia em raríssimas ocasiões na Igreja medieval, adquirisse um novo status, o status de elemento central e indispensável no culto da Reforma Luterana. Assim Lutero o fez, porque estava convicto que não era suficiente que as pessoas estivessem apenas presentes às missas (cultos), mas as suas súplicas deveriam ressoar dos seus próprios lábios por meio de canções que pudessem traduzir o arrependimento e a contrição das suas almas e a sua fé e o seu louvor irromperem jubilosos em canto e música. Martim Lutero vislumbrou isso de modo especial por meio do que mais tarde foi denominado Coral Luterano, colocando em textos poéticos, na língua comum e em melodias cantáveis e bem compostas, a Palavra e a fé evangélica. Rapidamente, os hinos da Reforma espalharam-se pela cultura oral da Alemanha do século XVI.[1]

3. Música mais acessível, mais simples, de modo que a comunidade consegue cantar junto.

4. Música profana, com textos sacros;

Para disseminar os pilares teológicos defendidos pela Reforma, Lutero recorreu à melodias profanas, que já eram conhecidas e cantadas pelo povo, dando-lhes novos textos. Posteriormente, o próprio Lutero e outros compositores criaram músicas originalmente escritas para o ambiente sacro, mas o uso de música profana tornou o processo inicialmente mais prático e mais rápido de assimilar.

5. Música difusora de teologia: os pilares da reforma foram “musicalizados” e assim, espalhados mais rapidamente entre a comunidade. Textos com alto teor teológico:

Não há dúvidas de que um dos maiores aportes de Lutero foi o seu entendimento de que a música da Reforma deveria falar sobre o Evangelho diretamente para as pessoas. Ele estava convicto de que o tipo de hino que uma congregação canta determina o tipo de Teologia/espiritualidade destas pessoas. Caso se queira que esta Teologia/espiritualidade reflita o Evangelho, então, há que se ter em alta consideração e se cuidar muito bem daquilo que está sendo cantado pelas pessoas. Lutero pôs as mãos à obra, cercando-se da ajuda e do conhecimento dos melhores Poetas e Músicos da época, que ele fez questão de escolher a dedo.[2]

3. Relação de Lutero com a música:

                Lutero teve importância não só por ser o ponto central de um novo movimento teológico, mas também por movimentar o âmbito musical. Ele não hesitou em deixar registrada a sua admiração pela música:

“A música é uma esplêndida dádiva de Deus e eu gostaria de exaltá-la com  todo o meu coração e recomendá-la a todos. Mas eu estou tão dominado pela diversidade e magnitude de suas virtudes e benefícios que, por mais que eu queira exaltá-la, minha exaltação será insuficiente e inadequada. Se queres confortar os tristes, aterrorizar os felizes, encorajar os desesperados,  tornar humildes os orgulhosos, acalmar os inquietos ou tranquilizar os que estão tomados por ódio, que meio mais efetivo que a música poderias encontrar?”[3]

                Nem todos os reformadores adotaram a mesma visão de Lutero; Calvino restringiu o uso da música, Zwínglio a excluiu totalmente, mas Lutero a colocava em segundo lugar, vindo atrás apenas da própria Palavra.

                Também na educação musical Lutero investiu – isso provavelmente é reflexo de sua própria educação, que foi rica em música. Defendia que a educação das crianças e a formação de professores e ministros deveria, impreterivelmente, ter a Música como um dos pilares.

Ouça o BTCast sobre o tema!

[1] Fonte: http://www.luteranos.com.br/conteudo/reforma-e-musica
[2] Fonte: http://www.luteranos.com.br/conteudo/reforma-e-musica
[3] LUTERO apud SCHALK, Carl F. Lutero e a música: paradigmas de louvor. Editora Sinodal, São Leopoldo, 2006, p. 8.