Abbá Pai e a ignorância

E, porque vocês são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho ao coração de vocês, e ele clama: “Aba, Pai”. Gálatas 4.6 O movimento gospel dos últimos anos tem formatado uma geração que chora nos momentos de louvor, que chama de Deus de papai e que não lê mais a Bíblia. Tudo tão fácil, […]



19 de março de 2012 Bibotalk Reflexões

E, porque vocês são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho ao coração de vocês, e ele clama: “Aba, Pai”.

Gálatas 4.6

O movimento gospel dos últimos anos tem formatado uma geração que chora nos momentos de louvor, que chama de Deus de papai e que não lê mais a Bíblia. Tudo tão fácil, tão diluído, tão pobre. Mas não é sobre o descaso com a Bíblia que quero pensar com vocês, é sobre chamar de Deus de Abbá – papai querido, afinal, chamar Deus de papai é algo muito sério, pelo menos foi para Jesus. 

Essa declaração sai muito fácil de nossos lábios, e acabamos esquecendo as dimensões dela. É no falar de Jesus Cristo que Deus é chamado de ABBÁ pela primeira vez, contudo, ele sabia o que e com quem estava falando. Jesus não estava seguindo uma tendência, pelo contrário, estava abrindo o caminho da oração e do louvor consciente.

Para entender as declarações de Jesus é importante conhecer o ambiente histórico-cultural de sua época. Para termos uma ideia, para os povos antigos, a palavra “pai” aplicada para a divindade, evocava algo semelhante ao que a palavra mãe significa para nós. No Antigo Testamento, Deus é chamado de Pai apenas catorze vezes, mas cada uma delas é muito importante. Quando Deus é chamado de pai ele é honrado como criador[1], ou seja, tinha-se a consciência de que Ele é o Senhor que merece obediência e o Pai que é misericordioso.

Israel acreditava que a paternidade divina era exclusividade sua[2], contudo, é nos profetas que o conceito de Deus como Pai adquire todo o seu sentido no Antigo Testamento. Através dos profetas somos informados que a paternidade divina geralmente é correspondida com infidelidade da parte de Israel. É a ingratidão diante da misericórdia.[3]

O judaísmo palestinense mantém o mesmo significado do AT, é sóbrio em falar de Deus como Pai, onde seu amor e sua misericórdia são a palavra final, contudo, nos tempos de Jesus, não se tem registro de um indivíduo dirigindo-se a Deus como “meu Pai”, era sempre uma invocação coletiva: “Nosso Pai, Nosso Rei”.

Abbá” nas orações de Jesus.

Foi isso que Jesus fez, dirigiu-se a Deus como “meu Pai”[4], não foi somente isso que  impressionou seus discípulos, o que chocou mesmo foi o fato de Jesus utilizar a palavra aramaica Abbá (o acento está na última sílaba), visto esse termo fazer parte do balbucio infantil. Mas você pode estar se perguntado, o que isso tem de mais? É que referir-se a Deus como Abbá para o judaísmo palestinense era desrespeitoso. Portanto, invocar a Deus com um nome tão familiar era impensável.

Jesus abre o caminho para a intimidade com Deus. Foi algo único o fato de “Jesus ter tomado essa iniciativa e falar a Deus como uma criança fala a seu pai, com simplicidade, intimidade e sem temor. Portanto, não há dúvida alguma de que a palavra Abbá, utilizada por Jesus para dirigir-se a Deus, revela o próprio fundamento de sua comunhão com ele.”[5]

As orações de Jesus influenciaram a comunidade cristã, tornando-se comum invocar a Deus como Abbá, Pai (Abbá, ho patér), e isso é ensinado pelo próprio Espírito Santo.[6] Portanto, somos autorizados a chamar Deus de papai: “As palavras de Jesus expressam simplesmente uma experiência cotidiana: só um pai e um filho é que se conhecem mutuamente”.[7]

Chamar Deus de Abbá é para quem vive o cotidiano com Ele, e não quem aprendeu o sucesso gospel do momento. Chamar Deus de Abbá é mais que friozinho na barriga e mãos levantadas, é compromisso e cruz!

 @bibotalk

 


[1] Dt 32.6; Ml 2.10.[2] Dt. 14.1s.[3] Ml 1.6; Jr 3.19s; Is 64.7.
[4] Todos os evangelhos são unânimes nessa afirmação. Somente no grito na cruz que Jesus não se serve do termo Abbá (Mc 15.34) [5] JEREMIAS, Joachim. Op. Cit. p. 25. [6] Gl 4.6. [7] JEREMIAS, Joachim. Op. Cit. p. 31.