BTAsk 04 – A Cultura e o desenvolvimento humano no processo de formação da Bíblia

  Qual é a relação entre os escritores sagrados e a cultura humana? Qual é o papel que a cultura desenvolve no processo de formação da Bíblia? E quanto à percepção e amadurecimento teológico dos escritores? Nós temos a tendência de pensar na formação da Bíblia como um produto que já veio acabado de fábrica. […]



15 de abril de 2015 Bibo BTAsk

 

Qual é a relação entre os escritores sagrados e a cultura humana? Qual é o papel que a cultura desenvolve no processo de formação da Bíblia? E quanto à percepção e amadurecimento teológico dos escritores?

Nós temos a tendência de pensar na formação da Bíblia como um produto que já veio acabado de fábrica. Entretanto, Deus não jogou a Bíblia pronta lá do céu, pois os escritores sagrados viveram num contexto cultural e foram também influenciados por ele. Da mesma maneira, os escritores sagrados também sofreram uma progressão teológica durante sua vida, e isso está refletido nos textos bíblicos.

Assim, quando eu falo sobre as mudanças que a cultura provocou na Bíblia, ou sobre o amadurecimento teológico dos escritores eu sempre me refiro à parte humana do processo de redação das Sagradas Escrituras. Digo isso, pois da parte de Deus não há muito o que dizer, uma vez que creio na ação do Espírito Santo em conduzir cada um dos escritores sagrados.

A grande questão que eu sempre me coloco é em relação ao escritor sagrado e a influência cultural pela qual ele passou e sua percepção teológica. Eu parto do pressuposto de que Deus não tirou a inteligência nem a personalidade de cada escritor. Ora, cada um deles viveu numa determinada época, com seus conflitos sociais, políticos e econômicos e pessoais.

Essa influência cultural se refletiu nos textos sagrados que pode ser observada por exemplo na comparação entre 2 Samuel 24 e 1 Crônicas 21. No primeiro texto temos Deus como responsável por incitar Davi a realizar o censo, noutro temos Satanas. O que muda? Em outras concepções teológicas, o que muda é a percepção de bem e mal do escritor bíblico. No primeiro caso temos um autor que escreveu antes do exílio da Babilônia (sem influência persa) no outro caso temos um escritor que escreveu após o exílio babilônico (com influência persa). Os persas dividiam o mundo em Bem X Mal e isso infuenciou a interpretação do escritor que viveu antes e do escritor que viveu depois do contato com os persas. Percebe como as culturas vão se mesclando?

Como dissemos acima, na Bíblia podemos também encontrar um amadurecimento teológico por parte de um mesmo escritor sagrado. Tomemos o apóstolo Paulo como um exemplo deste caso. Em I Tessalonicenses, uma das suas primeiras cartas, ele fala sobre o retorno iminente de Cristo para os seus destinatários, como se ele voltasse dali 5 minutos. Isso é tão evidente que o próprio Paulo esperava que ele estivesse vivo quando Jesus voltasse (1 Tess. 4:17). Não que isso não pudesse acontecer, claro. Mas ele passou isso de uma forma tão abrupta que os tessalonicenses até pararam de trabalhar! Como se eles dissessem: “já que Jesus vai voltar daqui 5 minutos não vamos fazer mais nada e ficar esperando ele chegar”. Quando Paulo viu que a confusão estava armada, ele teve que escrever de novo para os Tessalonicenses e dizer a eles que independente da hora que Jesus voltasse eles deveriam continuar a sua vida normalmente. Passemos para I e II Timóteo, as últimas cartas de Paulo. Ali ele já está bem mais maduro e experimentado no ministério. Nessas cartas ele não diz muita coisa sobre a volta de Jesus, mas contrário, agora ele diz para Timóteo que era ele que iria morrer antes da volta de Jesus (2 Tim. 4:16).

Isso nos mostra que Deus, quando invadiu nossa cultura e habitou entre nós, respeitou certos aspectos de cada uma das culturas envolvidas na formação das Escrituras Sagradas. O mesmo se dá na percepção teológica de cada um dos escritores sagrados onde houve um amadurecimento durante a escrita do texto.

Essa diversidade cultural e amadurecimento teológico nos dá esperança e conforto, pois Deus escolheu habitar conosco e partilhar conosco sua vida, seus atributos, seus planos, etc dentro das nossas limitações e compreensão teológca. Ele age no mundo por meio das nossas vidas. Isso quer dizer que ele não nos faz meros robôs, mas respeita nossa individualidade e nossa condição existencial dentro dessa cultura, já que ele mesmo nos criou. Isso fica refletido na forma como a Bíblia foi feita: a Palavra de Deus escrita por meio dos homens. Assim não há conflito entre Deus e a cultura humana, mas há conflito entre a cultura humana de uma época/lugar e a cultura humana de outra época/lugar. E isso não mudou até hoje.

Logo, o grande desafio para nós cristãos é sermos testemunhas do Senhor, agindo com sabedoria em nossa própria cultura, respeitando as diferenças entre as demais culturas, amadurecendo pouco a pouco no relacionamento com o Senhor, pois ele age de maneiras diferentes em cada cultura e com cada um de nós.

Ora, se Deus, o criador de todas as coisas, respeitou a condição cultural de cada um, respeitou a progressão do entendimento teológico dos escritores sagrados, nós temos a mesma obrigação de fazê-lo em relação às demais pessoas. Cabe a nós então o discernimento de como viver Cristo e seus ensinos a partir de nossa própria cultura. Como respeitar nossa cultura durante nosso desenvolvimento espiritual e viver Cristo em nós de tal maneira que nosso povo veja a esperança da glória (Col. 1:27).

Um grande abraço e que o Senhor te abençõe e te guarde.