Quando o Apóstolo Paulo enfrentou o isolamento por amar um amigo doente
Por Nijay Gupta*
Paulo era um homem acostumado a passar tempos “acorrentado”, encarcerado e esperando para defender seu ministério. De vez em quando, ele conseguia receber visitantes. Mas houve situações em que não podia receber ninguém. Em algumas oportunidades, ele foi preso com outros cristãos. Mas meu palpite é que, na maioria dos casos, ele estava sozinho, gastando tempo sem muito o que dizer ou fazer, exceto orar e pensar.
Em uma ocasião específica, ele estava na prisão sem muita ajuda e com muitas necessidades pessoais. A comunidade cristã filipense reuniu todas as provisões possíveis – comida, roupa, talvez também remédios – e enviou um deles, Epafrodito, como mensageiro do ministério para entregar esses bens e cuidar de seu amado apóstolo (Fp 4:10-20).
Sabemos que Paulo recebeu as provisões, com profunda alegria e apreço. Mas o que ele mais enfatizou em resposta foi a amizade de Epafrodito. Ele o chama de irmão, colega de trabalho e companheiro de luta pelo Evangelho, “ministro da minha necessidade” (Fp 2:25). Simplificando, a vida era melhor com esse colega e amigo compartilhando suas dificuldades. Mas aquela época alegre de companhia viu um fim prematuro quando Epafrodito adoeceu; de fato, Epafrodito quase morreu. Sem dúvida, Paulo orou, orou e orou, e eis que Deus teve piedade dele e ele se recuperou (2:27). Mas Paulo sabia que era melhor enviar Epafrodito para casa, para recuperar-se completamente com sua comunidade filipina e tranquilizar suas mentes para seu contínuo bem-estar (2:28-29).
Paulo tomou uma decisão difícil: escolheu mandar seu único amigo e companheiro em seu próprio momento de dificuldade. Ele escolheu ficar sozinho e se separar de uma fonte de apoio material, social e emocional. Mas ele fez isso por amar esse amigo e a comunidade de amigos que também precisavam dele.
Alguém poderia pensar que exercitar “fé” para Paulo deveria ser manter Epafrodito próximo e continuando a orar por sua cura completa. Mas “fé” não é uma varinha mágica para conseguir o que “eu” quero. A fé cristã envolve confiar em Deus e usar todo o conhecimento e recursos que Deus concedeu para fazer escolhas sábias que farão o melhor para a maioria das pessoas. Naquele momento, Paulo acreditava que o melhor para Epafrodito e outros era para ele ir para casa, mesmo que isso significasse ficar sozinho novamente para Paulo.
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Há muitos cristãos, até pastores e líderes espirituais, que pensam que é uma escolha especialmente cheia de fé e corajosa se reunir como igreja como um ato de desafio ao mal. Eles acham que a coisa certa a fazer é literalmente permanecer juntos pelo culto e pela comunhão, contra tudo e contra todos. Eu me pergunto se eles mudarão de ideia se os crentes comprometidos com a imunidade em sua própria igreja morrerem, irmãos e irmãs que eles conheciam pelo nome, cujos assentos preferenciais ficaram vazios na semana seguinte (ou cujas contas nas redes sociais ficaram caladas). Ou idosos vulneráveis. Ou crianças pequenas. O que exatamente vale a pena arriscar vidas humanas? Vivemos uma era tecnológica incrível, quando na verdade podemos transmitir ao vivo a adoração através do Facebook, checar um ao outro através do Facetime e enviar incentivo através de aplicativos. Tais meios de ministério a distância segura eram insondáveis no tempo de Paulo, na era medieval, mesmo na história moderna até cerca de quinze anos atrás. Com o número de mortos aumentando em todo o mundo por causa da Covid-19, sabemos que este é um momento crucial para agir. O tempo é curto, sim. Mas a história é longa. Em dez anos, recordaremos esse grande culto quando decidimos nos reunir, apesar das advertências de especialistas civis e médicos? Ou seremos gratos pelo tempo “curto” de solidão e acomodação e transição desconfortáveis manterem nossos amigos, familiares e estranhos em segurança? A analogia bíblica mais adequada para o nosso momento atual não é Davi intrépido caminhando frente a frente com Golias, mas Paulo resoluto enviando o amado Epafrodito, dando-lhe adeus por enquanto.
*Nijay Gupta (PhD, Universidade de Durham) é professor de Novo Testamento no Portland Seminary e especialista em teologia paulina. É também autor dos livros Paul and the Language of Faith e Reading Philippians Theologically. TRADUZIDO por Victor Fontana.