texto de Alexandre Ferreira Santos
1. A interpretação devida à etimologia
Ao se buscar a origem da palavra «pessoa» normalmente descobre-se que ela está relacionada às máscaras usadas no teatro desde a Idade Antiga, mas tal explicação não é suficiente para entender como este termo se tornou fundamental para a compreensão do ser humano. Deste seu nascimento da tragédia cênica o vocábulo «pessoa» mantém um vínculo com outra palavra, sua irmã «personagem», aí talvez esteja a maior pista para entendê-la.
Nos espetáculos greco-romanos quando um ator assumia a «persona» emprestava seu corpo para que um outro caráter, um outro temperamento, ou seja, uma outra personalidade ganhasse vida no palco. Daí que o conceito de pessoa está intimamente ligado àquilo que não é meramente material no indivíduo humano.
Além disso, as carrancas de encenação da antiguidade eram feitas para reforçar a propagação do som para a arena, fato que teria dado origem à expressão latina «per sona», aquilo que atravessa e soa. Portanto, para entender o sentido de «pessoa» deve-se ultrapassar a plástica para a qual a ideia de máscara remete e é preciso sintonizar-se com a noção de voz única que ressoa, que é simbolizado, mas não reduzido, do começo ao fim do ato.
2. A virada antropológica do cristianismo
Contudo, o conceito em questão só se torna relevante mesmo quando os pensadores da antiguidade tardia, sobretudo os adeptos das doutrinas primeiramente apresentadas por Jesus Cristo, os teólogos e filósofos cristãos, o utilizam para definir as individualidades da natureza trinitária. Foi um longo percurso entre heresias, tratados e concílios para se distinguir o que era essência, substância, natureza, pessoa et cetera. Para além do perscrutar o abismo, a altura, a largura e a longitude de Deus importa aqui que tal produção ajudou a também captar melhor a natureza humana.
Sendo a 2ª Pessoa da Santíssima Trindade Homem e Deus, não se poder compreendê-Lo sem consequentemente entender o que é a humanidade. E nesta tentativa de chegar ao que era comum à pessoalidade de Deus, dos anjos e dos homens, Boécio, por exemplo, definiu pessoa como “substância individual de natureza racional”. Ou seja, afirmou que cada ser, por natureza inteligente, é singular, único e impossível de ser confundido com qualquer outro.
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3. O impacto na reflexão da pós-modernidade
Desta singularidade, única e irrepetível na história, que é cada pessoa humana é que se afirma a dignidade, dela é que se quer preservar a voz. Como se pode ver, não se trata de argumentos religiosos, mas de uma jornada em busca do conhecer «o que é o homem» cultivada na tradição cristã, que chega até os dias de hoje. Cada vez mais se fala de «Pessoa» na pós-modernidade, mas às vezes parece que alguns querem ignorar o que já foi refletido, como se bastasse ressignificar o conceito para se validar este ou aquele discurso.
Para saber o que é pessoa não basta ater-se a uma convenção jurídica ou antropológica. Nós somos o ponto de partida e a forma como nos relacionamos com os demais. Para saber mais sobre as implicações desta reflexão sobre a pessoa ouça o BTCast 235.
Referências Bibliográficas
BOÉCIO. Escritos: Opuscula Sacra. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1952