Uma lida rápida e rasteira de versículos bíblicos que tratam sobre o assunto do julgamento pode nos levar a conclusões estranhas do ensino bíblico. Houve quem, na história do cristianismo, lesse Mateus 7.1 “Não julguem, para que vocês não sejam julgados” como uma ordem de Jesus para acabar com os tribunais do Estado. Quero, então, analisar alguns mitos sobre o tema “julgamento”:
1. “Só Deus pode me julgar.”
Pecado não é apenas uma questão particular que o indivíduo resolve com Deus em oração. Pecado ataca a honra de Deus, é mau testemunho diante do mundo, envergonha a comunidade cristã e, por vezes, também macula a própria comunhão cristã (Mt 18.8-10). Por esta razão, o pecado precisa ser tratado em comunidade.
2. “Pecadores não podem julgar pecadores.”
Antes de simplesmente julgar alguém, precisamos considerar que nós somos iguais ao que está sendo julgado. Em Mt 7.3-5 o cisco no olho não indica uma incapacidade nossa para julgar, mas nossa condição de pecador e falho diante do julgamento. Somos alertados para julgar com consciência de que nós também somos falhos e precisamos ser julgados. João formula isto no seu evangelho da seguinte forma: “Não julguem apenas pela aparência, mas façam julgamentos justos” (Jo 7.24).
3. “Vivemos pela graça, logo, a lei não pode mais me julgar.”
Todos são dependentes da graça e da misericórdia de Deus. Sim, só podemos crer e permanecer na fé por causa da graça de Deus em Cristo. Justamente por isto, o julgamento não tem o objetivo de ridicularizar, diminuir ou simplesmente excluir alguém. O juízo tem o objetivo de ensinar, corrigir e aprimorar o crente, vide Mt 18.15: “Se o seu irmão pecar contra você, vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro. Se ele o ouvir, você ganhou seu irmão”. O julgamento é um antídoto contra a graça barata, o evangelho sem compromisso.
4. “A Bíblia é o livro do amor, não do juízo.”
Isto é verdade, uma vez que o amor de Cristo é a marca central das Escrituras. O amor de Deus, além de nos alcançar, também quer, por nosso meio, estender-se a todas as pessoas. Entretanto, não se trata do amor romântico dos escritores do século XVII, nem do amor liberal dos hippies da década de 1970, trata-se do amor que se doa integralmente em favor do outro, um amor que sofre com quem sofre e que não se alegra ao ver o outro na miséria e no pecado. Julgar é amar quando o parâmetro de julgamento é a Palavra de Deus e o amor de Cristo mostrado nela. Julgar não é amar quando o parâmetro de julgamento é a vida de quem julga e seus padrões de comportamento (Mt 7.2). Sim, julgamos com amor quando com amor mostramos ao outro o amor de Deus, que acolhe o pecador, mas que também o livra da prisão do pecado.
5. “Não fomos chamados para julgar as pessoas.”
Nossa tarefa não é condená-las ao inferno, mas julgar o certo e o errado sob a perspectiva das Escrituras e, assim, auxiliar o pecador a encontrar o perdão (Lc 6.37). Julgar nem sempre tem na Bíblia a conotação negativa de fazer um pré-julgamento, uma condenação antecipada, mas passa a ideia de avaliar criticamente um ensino, uma atitude, um comportamento à luz das Escrituras para verificar se ele é de fato justo, bom e agradável a Deus (Fp 4.8). Neste sentido de uma avaliação crítica com vistas a ajudar o próximo, temos sim o dever cristão de julgar.
Alexander Stahlhoefer
Assista também o BTPapo 031 – Não Julguem! https://bibotalk.com/videos/btpapo-031-nao-julguem/