O termo hamartiofobia é a junção de duas palavras de origem grega (hamartia = pecado + fobos = medo) e muito provavelmente pode ser uma boa nomenclatura para designar o sentimento de uma certa parcela de cristãos que simplesmente não suportam abordar o assunto – falo do PECADO, aquele malvado. Fiz questão de mencionar “certos cristãos” porque em teoria não deveria ser um problema para eles refletir sobre, uma vez que são os não-cristãos que não aceitam o conceito de pecado, bem como não tem a obrigação de fazê-lo.
O ponto que quero focar aqui é aquela falácia travestida de piedade que diz que “devemos pregar somente o amor de Cristo… que chamar as pessoas de pecadoras só as afastam de Deus… que abordar o pecado ao evangelizar pode reprimir a pessoa e que iremos perdê-la se o fizermos”, ou qualquer coisa que se aproxime disso.
Ultimamente essa questão tem ganhado peso por ocasião dos embates entre gays e evangélicos, pois estes estariam se utilizando de um discurso inflamado e destituído de amor e graça para se referir a conduta pecaminosa daqueles. Sendo assim, deixe-me fazer algumas considerações sobre a importância do tema e sanar alguns mal-entendidos.
Primeiro, é verdade que uma outra parcela de “cristãos” tem adotado uma visão extremo-oposta, cuspindo verdades bíblicas como uma metralhadora sem qualquer bom senso, beirando as vezes a falta de domínio próprio. Alguns deles têm ganhado espaço na mídia secular, de modo que para o povo – desinformado – em geral, acabam passando a imagem de que representam o pensamento evangélico em sua totalidade, fazendo assim com que o cristianismo bíblico seja confundido com uma mensagem desequilibrada e estritamente condenatória. O correto seria uma abordagem sensata da Bíblia sobre a questão, é verdade, mas isso só vai acontecer através de cristãos igualmente sensatos, ainda que eu ache que na mídia secular não veremos desta espécie tão cedo.
Segundo, alguém já disse algo mais ou menos assim: “a igreja não precisa da aceitação do mundo, e que se isso acontece algo está errado” (citação livre). Verdade, mas só se for pelos motivos corretos aliados a postura correta, pois o que acontece hoje é que o mundo está detestando a igreja pelos motivos corretos – ok, eu sei, nem sempre -, mas estes aliados a postura errada.
E quais seriam esses motivos corretos – ou devo chamar de verdades? Listo alguns aqui:
- Que todos pecamos e estamos destituídos da glória de Deus (Rm 3:23);
- Que o problema do homem não se resume a um determinado pecado, mas que o seu problema é que a sua natureza é pecar (Sl 51:5);
- Que igualmente terrível para o pecador é que Deus é santo, justo e perfeito (Hb 10:31);
- Que Cristo morreu por nós – no lugar que deveria ser nosso – e não somente pelos gays ou por uma minoria “exclusiva” (Jo 3:16; 1Co 15:3; Gl 1:4);
- Que Cristo recebeu sobre Si a ira de Deus para que fôssemos reconciliados com Ele (Is 53:1-10; Mt 26:42);
- Que se cremos na obra salvífica de Cristo temo paz com Deus, temos nossos pecados lavados e perdoados e herdamos a vida eterna (Jo 3:15; Rm 5:1; 8:1);
- Que a mentira, o assassinato, o adultério, a prática homossexual, a idolatria, etc, todos são considerados pecados aos olhos de Deus (Rm 1:24-32; Gl 5:19-21; 1Tm 1:9,10; Ap 21:8);
- Que é na Bíblia que se reúnem todos os postulados acima e tantos outros, de modo que ela é tida pelo cristão como regra de fé e prática, isto é, reguladora e orientadora de sua vida como um todo (2Tm 2:14-17).
Todavia, a postura mais adequada em anunciar tais verdades é aquela que Paulo e Pedro registram nas Escrituras (Ef 6:12; 1Pe 3:16), ou seja, não lutando contra pessoas, mas dando a razão da nossa esperança com mansidão e respeito (NVI). Ora, se a nossa causa tivesse que ser levada a cabo pela imposição, o apóstolo Paulo teria descrito em Efésios 6 algo parecido com a armadura do Homem de Ferro, não? Obviamente não se trata de sermos conformistas, passivos e bocós. O cristão pode – e deve – ser muito firme a respeito do pecado, mas não precisa – nem deve – fazer-se entendido na forma de um rinoceronte enfurecido e desgovernado. Afinal de contas, se Cristo quisesse que saíssemos decepando orelhas por aí (Mt 26:51,52), Ele mesmo teria dado a ordem (Jo 18:36).
Assim, penso que a questão da postura pode ser resumida em uma palavra: Empatia. Em essência, esse termo significa a capacidade de se colocar (identificar) no lugar de outra pessoa, e com relação ao problema do pecado não tenho visto isso como sendo uma prática recorrente, para a vergonha de alguns. Mas se tem alguém que fez isso com maestria esse alguém foi o nosso Senhor Jesus Cristo. Afinal de contas, quem deveria ter sido pregado numa cruz e ter bebido o cálice da ira de Deus pela JUSTA punição do pecado? Mas eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo… (Jo 1:29) Mais empático que isso não dá!
Mas os “glorificados” da nossa época falam do pecado do próximo como se eles mesmos nunca tivessem sido pecadores. Infelizmente o que se tem visto de alguns “cristãos” é uma postura antipática, que extrapola a verdade de que aquele que crê em Cristo é santo e que é nova criatura, fazendo valer a máxima do “demasiadamente justo” (Ec 7:16). As vezes até parece que já chegaram lá – no céu -, como se eles mesmos não tivessem mais que lutar contra a natureza adâmica.
Terceiro e não menos importante, se tirarmos o pecado do anúncio do Evangelho as pessoas simplesmente não saberão o motivo pelo qual precisam ser salvas, simples assim. Ora, não é um postulado bíblico a fé em Cristo e o arrependimento para ser salvo? Se sim – óbvio -, arrependimento de quê? Cristo morreu na cruz por quê? Deus nos perdoa do que, mesmo? Logo, o propósito de abordar a questão do pecado com uma pessoa não é com o intuito de envenená-la, mas justamente o de mostrar a ela que sempre esteve envenenada. Só assim o amor, graça e misericórdia de Deus farão sentido como antídoto.
Não nos enganemos! Falar apenas do aspecto “bom” do Evangelho em detrimento do “mau” é torná-lo em “outro evangelho” (Gl 1:8,9); É tentar chegar ao fim pulando o meio; É tentar passar perfume em zumbi. No fim das contas a questão é que Cristo morreu pelos pecadores, mas estes não “sabem” que o são. E agora, quem dirá isso a eles? Não serão os hamartiofóbicos, disso eu sei.