O nome do meu filho será Lúcifer

Antes que você me chame de doido e pai desnaturado deixa eu explicar. Satanás vive dando entrevista nas igrejas[1] por aí. Penso que uma das coisas que ele deveria falar é: Parem de me chamar de Lúcifer! Se bem que para o “peludo”[2], quanto mais ignorante o povo for a seu respeito, melhor, como bem […]



17 de maio de 2012 Bibotalk Reflexões

Antes que você me chame de doido e pai desnaturado deixa eu explicar.

Satanás vive dando entrevista nas igrejas[1] por aí. Penso que uma das coisas que ele deveria falar é: Parem de me chamar de Lúcifer! Se bem que para o “peludo”[2], quanto mais ignorante o povo for a seu respeito, melhor, como bem frisa CS Lewis em seu magnífico livro[3] Cartas de um diabo ao seu aprendiz (Martins Fontes).

Na mente evangélica é automático associar o nome Lúcifer à Satanás, isso é aceito como verdade inquestionável. Porém, nem sempre foi assim na história da igreja. Até o século IV um bispo cristão ainda podia chamar-se São Lúcifer e seus seguidores de luciferianos. Somente quando alguns Pais da Igreja começaram a interpretar Is 14.12 como sendo o relato da queda de Satanás, que essa associação aconteceu e Lúcifer passou a ser nome do diabo.[4]

A palavra lúcifer foi introduzida no texto de Is 14.12, por ser a tradução latina da palavra hebraica hêlel, que significa “portador da luz” ou “estrela da manhã”. Era o nome latino para o planeta Vênus, o objeto mais brilhante no céu depois do sol e da lua, que algumas vezes aparece de noite, outras vezes pela manhã.[5]

O texto de Is 14 em seu contexto, em nenhum momento sugere a queda de um ser angelical. É explicitamente um oráculo contra o rei da Babilônia (v. 4), um ser humano que queria ser igual a Deus.[6] O título dado ao rei, Estrela d`alva, ou estrela da manhã, é de ascendência mítica em literaturas antigas, e “aplicado ao rei de Babilônia equivale a título divino”.[7] Título aplicado de forma pejorativa, pois o rei babilônico, com sua glória e pomposidade, se considerava entre os deuses.[8] Mas a profecia coloca o rei em seu devido lugar a partir do versículo 15. Leia o texto, vai ajudar a entender melhor a reflexão, clique aqui.

Oropeza afirma: “O rei da Babilônia, não Satanás, está em foco, porque ‘subjuga as nações’ (Is 14.12). É difícil ver como Satanás poderia subjugar nações inteiras em sua queda original, quando elas ainda nem existiam”.[9]

O fato é que, não se encontra amparo nem no Novo Testamento nem nos escritos dos pais apostólicos[10] uma afirmação de que Satanás uma vez foi um belo anjo chamado Lúcifer. Foi a partir do séc. III, com Orígenes, que essa associação começou e nunca parou. Contudo, uma exegese honesta com o texto bíblico não pode cometer esse erro. Dizer que Lúcifer é Satanás é ser arbitrário na escolha dos versículos. É ler o texto isolado de seu contexto, acreditando que ele contém uma verdade escondida, mais espiritual. É querer fazer o texto falar algo que ele não quer falar! Não é dessa forma que se lê e interpreta a Bíblia. Eu não posso escolher dois ou três versículos bíblicos, isola-los e dizer que eles querem dizer tal coisa.

O texto de Is 14 sempre é comparado com Ez 28:11-19. Não iremos entrar em detalhes agora, mas o mesmo princípio aplicado em Isaías serve para Ezequiel. Só deixo de tira gosto o v. 2 do cap. 28 “”Filho do homem, diga ao governante de Tiro: Assim diz o Soberano, o Senhor: “No orgulho do seu coração você diz: ‘Sou um deus; sento-me no trono de um deus no coração dos mares’. Mas você é um homem, e não um deus, embora se considere tão sábio quanto Deus”.

Podem perguntar: “se esses textos bíblicos não falam da queda de Satanás, onde fala?” A bíblia não relata com clareza a queda de Satanás, pois ele não é seu foco, assim como os anjos, é assunto marginal. Calvino afirma:

“Murmuram alguns por que a Escritura não expõe, sistematicamente e distintamente, em muitas passagens, essa queda e sua causa, modo, tempo e natureza. Mas uma vez que essas coisas nada têm a ver conosco, lhe pareceu melhor, ou não dizer absolutamente nada, ou que fossem apenas tocadas de leve, pois não foi digno do Espírito Santo alimentar-nos a curiosidade com histórias fúteis, destituídas de proveito. E vemos ter sido este o propósito do Senhor: nada ensinar em seus sagrados oráculos que não aprendêssemos para nossa edificação”. As Institutas I 14.16.

Só enfatizo que com esse texto não estou negando a existência ou queda de Satanás, estou apenas dizendo que não temos amparo exegético seguro para chamá-lo de Lúcifer. Satanás tem muitos nomes, mas Lúcifer não é um deles. Aliás, se tem alguém na Bíblia, digno de receber esse nome, é o próprio Cristo, ele sim, é a verdadeira Estrela da Manhã (Ap. 22.16).[11]

E é claro que não darei o nome do meu filho de Lúcifer, ainda que ache um nome bonito e faça referência a Jesus, exegeticamente falando.


[1] As entrevistas com o demônio começaram no Brasil, com intensidade, a partir da década de sessenta com a Igreja Deus é Amor e ganhou força nacional com as igrejas neopentecostais (pseudo-pentecostais para alguns teóricos como Robinson Cavalcante).
[2] A palavra hebraica seirim é traduzida em algumas versões (como a NVI) como “ídolos bodes”. Na tradição hebraica os seirim eram chamados “peludos”, uma referência a espíritos malignos.
[3] Algum livro do Lewis não é magnífico?
[4] CROSS, F. L.; LIVINGSTONE, E. A. (org) In: OROPEZA, B. J. 99 perguntas sobre anjos, demônios e batalha espiritual. São Paulo: Mundo Cristão, 2000. p. 85.
[5] D.H.W. Lúcifer In: DOUGLAS, J.D. (org) Novo dicionário da bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 967.
[6] Algo bem típico da raça humana desde Adão!
[7] SCHÖKEL, L. A.; SICRE DIAZ, J. L. Profetas I Isaías – Jeremias. São Paulo: Paulus, 1988. p. 181.
[8] D.H.W. Lúcifer In: DOUGLAS, J.D. (org) Novo dicionário da bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 967.
[9] OROPEZA, B. J. 99 perguntas sobre anjos, demônios e batalha espiritual. São Paulo: Mundo Cristão, 2000. p. 85.
[10] Homens que preservaram a doutrina dos apóstolos no segundo século da era cristã.
[11] D.H.W. Lúcifer In: DOUGLAS, J.D. (org) Novo dicionário da bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 967.

18 thoughts on “O nome do meu filho será Lúcifer

  1. Boa Bibo, você conseguiu relatar uma ideia que eu não tinha argumentos o suficientes para expô-la. Agora os tenho, rs.

    Como eu já disse, você está convidado para uma edição especial de um podcast que vou gravar, com assuntos nessa linha (lembra-se do convite? :3).
    Abraços!

  2. Concordo com vc a respeito do verso 2 de Ez 28, porém a outra sentença começando no verso 11 e tratando do rei de tiro…Mas há algumas coisas interessantes nessa sentença..O rei de tiro é chamado de Querubim da Guarda? ele estava no Jardim do eden? No Jardim de Deus? No monte Santo( Sendo Sião, ou o lugar do trono de Deus)? As caracteristicas desse lugar citado cheio de pedras preciosas só posso por concordância (e sempre devemos usando concordâncias) lembrar de algo Celestial encontrado somente na Nova Jerusalem. Por isso os maiores expositores da biblia associam esse rei de tiro figuradamente falando de Satanás! Pois o Rei de tiro não se comparou a Anjo e muito menos a um Querubim da Guarda..Ez mostra muitas caracteristicas dos querubins no cap 10, no 41 mesma palavra hebraica usada aqui (Keruvim).
    Mas Amém irmão, vamos meditando e crescendo na graça, não dou credito algum e acho ridiculo o marketing feito pelos evangélicos ao Diabo; acho que ele deve até mesmo se agradar muito com isso! Mas grandes homens como A w Tozer, A T Pierson, A J Gordon, G h Pember, G h Lang, C H Mackintosh, Jhon Nelson Darby. Todos tem o mesmo pensamento a respeito de Ez 28:11 em diante.
    Paz irmão!

    1. Capaz Marcelo, fique a vontade para pensar junto irmão. Aqui nesse blog ninguém é dono da verdade. Com certeza muitos estudiosos defendem essa ideia, até mesmo alguns que admiro muito. Mas como disse no texto, era comum reis humanos receberem títulos divinos e seus derivados. Forte abraço.

    2. Legal cara! Mas pense bem sobre Ezequiel 28, é o Espírito Santo chamando ele de Querubim da guarda não homens o chamando nem o Espírito diz que ele era chamado por alguém como "És chamado de Querubim". O Espírito o chama de Querubim. Não existe nenhuma evidencia em outro lugar na palavra de uma passagem dessas. Tanto que no vs 2 como vc disse há um homem se dizendo Deus e Deus diz a ele que não passa de um homem, mas depois é o próprio Espírito através de Ezequiel o chamando de Querubim. Fora que se vc pegar uma concordância, sobre os materias que ele fala ali, pedras preciosas etc. Só a um lugar que tem esses materiais. Acho mais interessante ainda que no Jardim do Eden de Genesis 1 2 e 3 não é parecido com esse ali. Há muitas evidências de ser um lugar Celestial. O lugar dos querubins é mostrado em Ez 10. e varios lugares, muitos estudiosos da biblia falam da grande semelhança dos querubins com os seres viventes de Ap 4:6.
      Paz meu irmão Abraço!

  3. Paz… Parabéns pela iniciativa de compartilhamento de conhecimento. Confesso q dá arrepio quando li sobre quem merece este nome.
    Falando em nomes, eu acho q vo6 já ouviram falar de um povo ai dizendo q o nome de Jesus foi alterado, que Jesus quer dizer JE = deus SUS = CAVALO, e q o verdadeiro nome seria YAHUSHUA, quem sabe um podcast sobre o assunto? Pq encontrei até pastores entrando nessa…
    A internet tá cheia o YT tb.
    No meu caso, como tenho pouquíssimo conhecimento prefiro não crer em qquer pacote antes de houvir outras opiniões…
    Deus abençoe a todos, parabéns pelo site e pelos programas.

  4. Muito bom texto. Uma Acréscimo.
    E disse-lhes: Eu via Satanás, como raio, cair do céu.
    Lucas 10:18

    Palavras do Nosso Senhor.

  5. Caracaaaaaaa mais uma coisa do qual nunca pensei! Só me impuseram e eu aceitei como qualquer bom cavalo de carga levando chicotada! Revendo conceitos de "Púlpito" e focando na Palavra e a verdade o que? nós libertará!

  6. Eu sempre usei esses dois textos para falar sobre a queda de Satanás. Não costumo chamar ele de Lúcifer pois sempre falo que esse era o nome antigo dele e foi mudado, pois antes ele era um anjo de luz, e segundo li em algum lugar, não lembro onde, Lúcifer (como diz esse post também) vem do latin, e significa algo como “luz se fez”, e daí veio Lúcifer e que quando ele caiu não pode mais ser chamado assim. Concordo com o Marcelo Vieira, sobre o texto de Ezequiel, pois fala de querubim ungido, Éden, etc.

  7. Olá pessoal!

    Os pais da Igreja usaram mesmo o método hermenêutica dos rabinos. Os rabinos se valiam da tipologia, a prática de ver um evento ou uma pessoa como tipo de outro evento ou uma outra pessoa. Mateus usou o mesmo método ao interpretar Isaías 7.14 com o nascimento de Jesus. Embora que o Emanuel de Isaías 7.14 fora um personagem contemporâneo a Isaías.
    O Emanuel nasceria num curto período de tempo. Antes que a criança discernisse entre o bem e o mal.
    Mas, num segundo estágio, a profecia de Isaias se cumpriu definitivamente em Cristo: Mt 1.23.
    Portanto, mesmo que o contexto imediato de Isaías 14.12 esteja falando do rei da Babilônia pode se aplicar a Satanás, porque os anjos são identificados como “estrelas da manhã” em Jó 38:7, portanto não há nada errado em se utilizar a expressão para anjos, sejam eles caídos ou não. Vocês não concordam que no trecho a expressão seja atribuída a Satanás, mas eu teria maior dificuldade em aplicar a um homem uma expressão que aparece ora aplicada a Jesus, ora a anjos, mas não a homens.
    Na passagem de Isaías encontro aquele que é antagonista a Jesus, aquele que deseja ter a preeminência que só pertence a Cristo, e isso não apenas na terra, mas nos céus (repare que a cena toda é transportada do rei de Babilônia na terra para as esferas celestiais). Seria estranho o rei de Babilônia dizer que subiria acima das nuvens e seria semelhante ao Altíssimo. O próprio Jesus faz referência ao episódio de Isaías 14 em Lucas 10:18: “Vi Satanás, como raio, cair do céu”.
    Portanto, creio que este trecho seja um parêntese, pois parece se referir, não especificamente ao rei da Babilônia, mas àquele que movia o rei de Babilônia, ou seja, Satanás. No episódio em que Pedro nega que Jesus seria traído, julgado e morto, o Senhor repreende a Pedro como se estivesse falando com o diabo que estaria movendo Pedro a dizer aquilo.
    Portanto, mesmo que a “estrela da manhã” aqui esteja limitada a descrever o rei de Babilônia, creio que quem está por trás desses sentimentos é Satanás, a antiga serpente. O Senhor poderia dizer também aqui, ao rei de Babilônia: “Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos homens.”
    Pegue, por exemplo, os Salmos, que tanto podem expressar os sentimentos dos salmistas (sim, há outros além de Davi), como também os sentimentos de Cristo.

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