Impulsos bíblicos para uma participação cristã na política.
Neste ano de 2014 teremos mais um processo eleitoral em nosso país e com ele a oportunidade de exercermos nossos diretos constitucionais, neste caso expresso pelo voto, onde cada cidadão pode, de forma democrática, escolher seus representantes. Cabe a nós Cristãos, realizarmos uma reflexão, que não seja baseada na posição de partidos políticos, mas em princípios bíblicos.
“Nunca antes na história desse pais” é um famoso bordão do ex-presidente Lula. Virou piada comum daqueles que simplesmente queriam fazer humor, mas também daqueles que queriam criticar os avanços daquele governo. É possível visualizar claramente as mudanças e avanços ocorridos em nosso país ao longo das últimas décadas. Há alguns anos atrás, por exemplo, era impensável que uma família de classe média pudesse fazer uma viagem à Europa ou aos Estados Unidos. Além disto, o poder de compra subiu consideravelmente. Eletrodomésticos, televisores de alta resolução, notebooks, smartphones comprovam que os chamados “bens de consumo” estão chegando mais rapidamente e com maior facilidade à mão do brasileiro. Mesmo tendo muito a melhorar, a infraestrutura de transportes evoluiu consideravelmente nos últimos anos. É claro que ainda precisamos lidar com taxas de juros variadas nos financiamentos e uma carga tributária que dificulta a criação de novas vagas no mercado de trabalho, além da grande quantidade de impostos. Inegável, porém, que desde o período do “milagre brasileiro” ocorrido nos anos de 1970, as facilidades para o consumo e aquisição de bens proporcionaram uma significativa melhora no bem estar da população em geral.
Por outro lado, se tem a impressão de que “nunca antes na história desse país” tanta corrupção veio à tona. Alguns podem dizer que é positiva a descoberta de tantos casos emblemáticos, e de que isto mostra a eficiência dos órgãos de controle e da justiça brasileira. Mesmo com a criação de mecanismos de controle mais eficazes, nos faltam ainda leis mais severas contra corrupção. Parece-me que o mal não quer ser cortado pela raiz.
Mas qual é então a raiz desse problema?
A honestidade que se espera dos mais altos escalões do governo é a mesma que deve ser encontrada nas relações mais básicas da sociedade, entre eu e você. Desonestidade é fruto da desobediência a dois Mandamentos: “Não furtarás” e “Não cobiçarás”! Quando desejamos ter para nós aquilo que, por direito, não nos pertence, já cometemos o furto no coração (Mt 6.19-21 cf. Mt 5.22,28). As demais atitudes como o furto em si, as mentiras que serão contadas para justificar o erro são só as consequências do que começou no coração. Desonestidade começa portanto, com a ganância. A ganancia ou o amor ao dinheiro é a raiz de grande parte dos problemas políticos que enfrentamos (1Tm 6.9-10). Quem está satisfeito com o que tem, grato a Deus pelas dádivas recebidas não tem razões para ser ganancioso. Quem vive pela graça, sabe que apesar do grande esforço para se adquirir um bem material, é pela graça de Deus que temos trabalho, renda, casa, família e possibilidade de adquirir algo (Ec 5.19). Se é pela graça, não há razões para a ganância.
Grande parte dos problemas que enfrentamos na política brasileira não são decorrentes das ideais políticos professados por esse ou aquele partido, mas de interesses econômicos escusos. Percebemos que por trás de cada escândalo não estava em jogo um lei justa, uma proposição boa para todos, mas jogos de interesse onde algum grupo levaria grande vantagem econômica em troca da aprovação de determinada lei ou projeto. Mais uma vez é a honestidade do brasileiro que está em jogo. A ganancia fala mais alto que valores como justiça e direito. A ideia é a de levar vantagem em toda situação. Justifica-se a vantagem com aquilo que no jargão popular foi denominada de “Lei de Gerson”: “se eu não pegar, outro vem e pega”. É o oportunismo, que diferente da oportunidade, utiliza da posição privilegiada e de poder para obter benefícios especiais para si mesmo e para os que fazem parte do seu grupo. Isto é exatamente o contrario do objetivo central de um governo: dar a cada um aquilo que é devido! O que os filósofos antigos e também a Bíblia chamava de justiça (cf. Rm 13.1-7).
Qual a contribuição que eu como cristão posso dar à política na minha cidade, estado e país?
1)Honestidade. Precisamos aprender que “o que é achado não é roubado” é um jargão popular falso, por que este achado pertence a alguém outro, e por isso deve ser devolvido. A Bíblia nos ensina que devemos fazer aos outros aquilo que esperamos que façam conosco (Mt 7.12). Se eu gostaria de encontrar aquilo que perdi, então devo devolver o que encontrei ao seu dono. Quando falamos de honestidade, também não podemos nos omitir do processo de venda ou de troca de voto. Quando participo ou sou omisso diante desta prática, estou passando uma procuração em branco ao candidato e seu partido e em consequência abro mão de meu direito constitucional, de após as eleições, realizar cobranças sobre o modo de operar do meu candidato e seu partido. Diante disso, facilmente nos esquecemos em quem votamos. A honestidade é algo pessoal e intransferível, se não sou honesto não posso exigir o mesmo do meu próximo.
2) Justiça. Cada um na sociedade tem direitos e deveres. Pela participação na construção do país com justiça, cada um deveria receber o que é seu por direito: salário mínimo, seguridade social, saúde, educação, liberdades individuais. Mas para que cada um tenha assegurado o seu direito, é preciso que todos se empenhem nos deveres: trabalho, obediência às leis, respeito aos demais cidadãos, participação política, entre outros. Assim, observemos algumas situações de justiça: se eu quero amanhã encontrar um asfalto em boas condições, não devo andar com a carga do caminhão próprio ou da minha empresa com peso acima do permitido pela lei. Se eu desejo usufruir da minha liberdade de culto, não posso usar do cargo público para obter vantagens para minha igreja. O terreno da prefeitura e suas máquinas servem bem pra uma creche, hospital ou praça, mas não para a construção de uma igreja. O argumento de que “se eu não usar, o ímpio usará”, não justifica utilizar o bem público para alcançar benesses individuais ou de uma minoria. Amanhã alguém pode desejar acabar com as isenções das religiões devido a tais abusos, projetos de lei nesse sentido já existem.
3) Participação. Use sua voz, participe de forma ativa, não seja omisso. Política num estado democrático é feito através da participação. Cada cidadão tem direito a um voto. Ninguém tem mais vez ou voz do que o outro na urna. O que na prática acontece é que uns poucos falam o que pensam e buscam convencer outros a respeito, e um grande número cala e consente com os poucos que estão opinando. Por isso é importante que sua voz ecoe na sociedade. Existem vários canais onde você pode expressar e defender suas ideias, e onde sua voz pode se juntar a outras. Cada município e território local dispõem de diversos conselhos que definem políticas públicas e a forma de utilização de recursos públicos, isto é, normas que não dependem de partidos políticos. São conselhos formados de diversas formas, e em muitos deles há espaço reservados para lideranças religiosas. Este é o espaço que, se você não usar, o ímpio usará! Ali é que você deve buscar espaço, não na secretaria de obras públicas ou de assistência social buscando benesses individuais. Existem meios legais pelos quais a igreja pode dar sua contribuição na forma de se administrar o município, estado e a nação. Inclusive pode propor projetos, que se aprovados por todos, poderão receber legalmente e corretamente recursos públicos. Porém para isso, é preciso que haja espaço em nossas comunidades para falar sobre política. Debater sobre politica, não se trata apenas de convidar candidatos ou dar preferência “aos da casa”, mas discutirmos sobre como nós podemos juntos dar uma contribuição para nossa sociedade. É pensar o bem da nossa cidade e estabelecer formas pelas quais podemos atuar. Não é combinar voto no “nosso candidato”, nem fazer conchavo para ter um projeto aprovado num órgão público. É ouvir a voz de todos e propor diretrizes para a educação, saúde, cultura, lazer, segurança, infraestrutura, para que os representantes da nossa comunidade possam apresentar aos vereadores, aos conselhos municipais e até ao prefeito.
Em síntese, podemos afirmar que a Igreja tem o mesmo direito de expressar sua posição sobre temas políticos como qualquer outra entidade. O que não cabe à Igreja, que tem os princípios da fé Cristã como pilar estrutural, é ter candidatos oficiais e partidos de sua preferência. Mas cabe a nós debatermos os problemas reais do local em que vivemos e propor soluções e alternativas, não a partir de ideologias, mas tendo como base a ética cristã. Talvez não possamos mudar todos os aspectos que gostaríamos com relação ao lugar onde vivemos, mas podemos contribuir para transformá-lo em um espaço onde haja honestidade, justiça e equidade.